Eucaristia e Encarnação. Como podemos entender a relação entre esses dois mistérios Cristológicos? Precisamos partir do todo do mistério da salvação. Em primeiro lugar existe uma vontade do Pai, e também, vontade do Filho e do Espírito Santo de salvar a humanidade que se extraviou no caminho do pecado. Portanto, um primeiro ato de entrega parte do Pai.

A primeira entrega, ou seguindo o pensamento do Teólogo Balthasar a primeira Kenosés, é a do Pai. O Pai entrega seu Filho, seu tesouro mais precioso, para ser sacrificado pela humanidade. Depois de ter falado com os homens por meio de diversos Profetas, agora nestes dias que são os últimos (últimos aqui entendido não como os do termino do mundo, mas como a plenitude), fala-nos por meio do Filho (Hb 1,1-2). É a própria Palavra de Deus, o Verbo encarnado que sai do seio da Trindade, sem deixá-la, para o seio da humanidade, e assim, fala ao ser humano quem é o homem (GS 22) e para onde e como deve ele caminhar.

Só se compreende a Eucaristia à luz da Encarnação; podemos entender a Eucaristia como um prolongamento da Encarnação, numa interpretação sacramental. Diz-nos João Paulo II na Eclésia da Eucaristia:

 A Eucaristia ao mesmo tempo que evoca a Paixão e a ressurreição, coloca-se no prolongamento da Encarnação. E Maria na Anunciação, concebeu o Filho divino também na realidade física do corpo e do sangue, em certa medida antecipando nela o que se realiza sacramentalmente em cada crente, quando recebe, no sinal do vinho, o corpo e o sangue do Senhor” (nº 55).

Existe verdadeiramente intrínseca relação entre a Eucaristia e a Encarnação do Verbo. De modo que, podemos dizer que a Eucaristia reúne em si e atualiza Natal e Páscoa, nascimento e morte de Cristo. Santo Agostinho em um de seus sermões exprime uma profunda verdade teológica: “o Verbo se fez carne para morrer por nós”. Sim! O sentido da Encarnação só se entende na medida em que adentramos o mistério da Eucaristia, e, passamos a vivê-Lo na celebração sacramental. Ao celebrar o nascimento do Menino Jesus, estamos celebrando o nascimento Daquele que vai morrer e ressuscitar.

Pensamos muitas vezes que o inicio dos Evangelhos é o nascimento de Cristo. Contudo, quando o Evangelho começou a ser pregado não se falava desses fatos, mas sim da Morte-Ressurreição de Jesus, assim, toda a existência terrena de Jesus é apresentada pelos evangelistas à luz do mistério Pascal.

É verdadeiramente estreita a relação entre Eucaristia e Encarnação, pois a Eucaristia continua sendo o presépio onde podemos adorar o Verbo encarnado, não em imagem mas em realidade. O Verbo que entra no mundo das criaturas por meio do seio virginal da Virgem Maria, oculto na aparência de um recém-nascido; continua a se fazer presente no mundo por meio do seio virginal da Santa Mãe Igreja, oculto nas aparências de pão e vinho. Assim, os desígnios da salvação só podem ser entendidos, tendo em vista a continuidade entre Encarnação, Cruz e Eucaristia (Mistério pascal).

Se na Encarnação o Pai entrega seu Filho único para morrer pela humanidade, a Eucaristia é também dom do Pai ao mundo. É o Pai, que através do Espírito Santo nos dá o verdadeiro “Pão do Céu”. De modo que, a Eucaristia não é simplesmente um dom dado pelo Pai, mas é também um dom do Pai, ou seja, o Pai não só nos dá a Eucaristia, mas também Ele se dá na Eucaristia.

Acreditamos em uma única natureza divina, sendo assim, ao receber a divindade do Filho, recebemos também o Pai, “Quem me vê, vê o Pai”. Da mesma forma, que o Pai, através do Espírito ressuscitou o Cristo, dando vida ao corpo morto na cruz; pelo mesmo Espírito, o Pai dá vida ao pão e o transforma em verdadeiro corpo de Cristo, que é o verdadeiro Pão, e se torna “alimento de imortalidade” para o homem, e o fará ressuscitar da morte, pois a vida tem o poder de vivificar os mortos.

Depois de ter meditado num primeiro momento sobre a entrega do Pai, quero dizer, o Pai que entrega seu Filho: “Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho único” (Jo 3, 16). Quero meditar agora sobre a entrega do Filho. O Pai ao entregar seu Filho para morrer “lhe inspirou a vontade de sofrer por nós, infundido-lhe o amor” diz Santo Tomás de Aquino.

Deste modo em obediência ao Pai, o Filho se entrega como expiação pelos pecados dos homens. Ora, mas não foi simplesmente pela morte do Filho na cruz que o pecado foi apagado, mas também pelo amor com que Ele se entregou. Por ser uma entrega livre e por amor: “Ninguém me tira a vida, mas por mim mesmo eu dela me despojo” (Jo 18), não podemos dizer que a morte do Filho seja o preço pago ao Pai pelos nossos pecados. O Pai não é aquele que recebe o preço pago com a morte do Filho, mas Ele (o Pai) é também aquele que o paga. Diz o PE. Raniero Catalamessa: “o Pai não poupando o próprio Filho (Rm 8,32), também não poupou a si próprio”.

Cristo entrega-se livremente na mais bela atitude de amor, pois Ele visa tão somente o outro, esquecendo-se de si mesmo. Rasga o véu do coração para realizar a vontade do Pai.

É verdade que foi pela morte de Cristo que fomos salvos, mas não foi simplesmente a crucificação do Filho que agradou ao Pai, mas a sua entrega livre, sua vontade de morrer espontaneamente por nós. Podemos perceber que tanto a vontade do Pai como a do Filho é uma só: a salvação da humanidade, e por conseguinte a felicidade do homem. Por isso, que o Pai entrega o Filho, e este se encarna e se faz Eucaristia, que significa exatamente sua (do filho) entrega.

O que movia o Filho nesse ato de entrega era o Amor. A Tradição cristã identifica o Espírito Santo com o Amor entre o Pai e Filho. Ele é o próprio Amor personificado em Deus. Amor substancial, absoluto e infinito. O Pai ama o Filho, e o Filho ama o Pai e este amor é o Espírito Santo. Ele une o Pai e o Filho e os distingue, mantendo-se por sua vez distinto do Pai e do Filho. Na Trindade um se dá sem reservas ao outro. E assim, manifestam que Deus é uma comunidade de três pessoas distintas, que formam um só Deus no amor. O amor que o Pai tem pelos homens movia o Filho, pois é um amor sem medidas que O levou até o fim (Jo 13,2), e de fato os levou até as ultimas conseqüências.

Continuo acreditando, que a Eucaristia é uma das mais belas provas de amor que Deus tem nos dado, e é verdadeiramente um mistério abissal, como pode o Verbo de Deus se Encarnar, fazer-se homem, sofrer, angustiar-se, e transformar, mudar a substância do pão e do vinho em seu corpo e seu sangue? Assim, temos a verdadeira e real presença de Cristo em nosso meio. E sendo presença da natureza divina, também temos a presença do Pai e do Espírito Santo, é a presença da Trindade no seio da humanidade.

A Eucaristia é o “grande mistério”, pois temos diante de nossos olhos Natal e Páscoa. Contudo, neste mistério Deus pede algo mais de nossa parte: é preciso olhar para um pedaço de pão e ver a presença oculta de Deus, e por isso, contemplá-Lo e amá-Lo. Só mesmo o homem de fé consegue enxergar no Sacramento da Eucaristia, o meio de salvação. Cada Eucaristia celebrada é de novo uma Kenosés de Deus, que assume nossos pecados, como se fosse seu, mesmo sendo inocente.

Edijael Souza Alves,
Diocese de Rubiataba / Mozarlândia – GO.